Entendendo a resolução Nº1.957/2010 do CFM

Alguns pacientes têm me questionado sobre as mudanças estabelecidas pela Resolução Nº1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que entrou em vigor no dia 06 de janeiro de 2010. Ela estabelece parâmetros éticos para a utilização das técnicas de reprodução assistida. A existência de normas como essa é necessária e positiva para a prática da reprodução assistida no Brasil, pois baliza a conduta dos profissionais de saúde.

No entanto, tais normas não devem ser vistas como regras definitivas e absolutas. Isso porque a medicina reprodutiva está em constante avanço – o que nos colocará diante de pontos que não foram e nem podiam ser previstos pela normativa. Não devemos esperar mais 18 anos para refletir sobre essas questões. Além disso, elas são genéricas, não respondendo a casos muitos específicos que vivenciamos no consultório. Por outro lado, a resolução do CFM não supre a carência de uma legislação específica para o setor. É uma normativa com vista ética, focada na conduta do profissional.

Do ponto de vista prático, a resolução não trouxe muitas inovações. Reflete práticas já adotas nas clínicas de reprodução do país. Reforça a proibição da escolha do sexo da criança, permite o tratamento para casais homossexuais e limita o número de embriões que podem ser implantados durante os tratamentos.

Esse último ponto é a principal mudança. Antes, o médico podia implantar até quatro embriões no útero da paciente a cada tentativa de fertilização. A resolução limita esse número em dois embriões para mulheres com até 35 anos e em três para aquelas que têm entre 36 e 39, mantendo o quantitativo de quatro embriões para as com 40 anos ou mais. O objetivo é reduzir as gestações múltiplas, que como já conversamos, são complicações do tratamento.

O problema é que, além do fator idade da mulher, o médico deve considerar a qualidade dos óvulos para definir a quantidade embriões a serem implantados. É importante analisar, ainda, a quantidade de tentativas já realizadas e o grau de ansiedade do casal.

Tenho uma paciente com 28 anos que está em sua quinta tentativa de ser mãe, mas só forma embriões ruins. Implantar apenas dois embriões é reduzir muito as chances de sucesso de tratamento nesse caso específico. A busca por uma gravidez de um único bebê saudável é a meta do tratamento. Mas o médico precisa, em conjunto com o casal, ter bom senso diante dos vários fatores que influenciam as chances de sucesso. A idade da mulher é o principal, mas não o único fator importante.

O número de embriões implantados tem influência direta sobre as taxas de gravidez. Na Europa, por exemplo, onde há restrições, as taxas são 15% menores do que nos Estados Unidos, onde não há. A Itália foi ainda mais restritiva. Chegou e disse: a partir de hoje escolham apenas três óvulos para trabalhar e o que fecundar transfira, ou seja, se eu retirar dez óvulos tenho que escolher apenas três. O que aconteceu? A taxa de gravidez despencou.  Existem países, como a Bélgica, onde é permitido implantar apenas um único embrião. Mas lá, os tratamentos são custeados pelo governo.

Cada casal tem até seis tentativas para conseguir realizar o sonho da maternidade e da paternidade. E aqui, quem vai dividir a conta do tratamento com esses casais? E minhas amigas esta conta é alta. E não falo apenas pelo valor monetário dela, falo pela desorientada que ela dá na nossa vida mais íntima, as vezes, devasta a completamente. Somente quem passa por um teste de gravidez negativo depois de uma fertilização in vitro tem a exata noção do quanto pesa essas minhas palavras.

A sociedade brasileira precisa discutir uma lei que regulamente a reprodução assistida no país, bem como o papel do Estado e dos Planos de Saúde diante dos casais que sofrem com a infertilidade. Quero que vocês pensem essa semana sobre qual é o nosso papel nesse cenário.  Apresentarei uma proposta. É sobre isso que conversaremos no próximo post do blog.

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